quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

No quarto

Mudanças, rompimentos, fases...desfechos desfeitos, promessas partidas ao meio...pôsters na parede, gato aos pés da cama...vinis sem vitrola, paixão sem destinatário...e o sol ainda entra pela janela e aquece sua pele toda manhã. É quando ela percebe que, apesar de toda sua incompletude, ainda está viva.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Receita de Família

Os vapores da baunilha dominavam o ambiente somados ao aroma cítrico de laranjas e limões. O calor emanado do forno abraçava os corpos de ambas como uma longínqua carícia maternal. Nina, embriagada pelo clima, desabafou finalmente o que tanto a afligia:
- Ah , será que eu estou fazendo a coisa certa?
Dona Fá, como todos a chamavam desde moça, sem parar de peneirar a farinha com o carinho e leveza de quem não tem pressa, riu largo e gostoso:
- Filha, pára de se preocupar...tem coisa nessa vida que é melhor não pensar, melhor não saber, que a gente tem que só fazer e esperar o resultado.
- Mas , casamento é coisa séria e...
- Ah, sério é o amor filha, isso sim é coisa séria, sério é viver! Eu se tivesse pensado não tinha casado com seu ....até por que fui obrigada ? Você sabe.
- Mas a senhora foi feliz? Porque eu que escolhi casar com o Luís vivo brigando com ele, quem dirá se fosse obrigada. A senhora viu ontem a encrenca que deu por casa das flores da igreja?
- Eu vi e morri de rir...vocês jovens têm a mania de brigar por tudo. Parece até que só têm relacionamentos pra poder discuti-los....se vocês soubessem como tudo é tão fácil. Vocês cobram muito de vocês mesmos e procuram a felicidade nos outros...eu fui feliz com seu porque com ele pude ter tranqüilidade e conforto...e ele me deu uma família. Demorou uns três anos de casada pra eu gostar dele, mas ele gostava de mim, e me respeitava, pra que eu ia querer mais? A gente tem que ser feliz junto com o outro, e não por causa do outro Nina, você entende?
- Mais ou menos , eu gosto tanto dele que tenho medo de perdê-lo...
- Mas tudo nessa vida uma hora se vai! Até os filhos que geramos crescem e buscam outros lugares...mas antes disso nós aproveitamos muito cada minuto com eles, ensinamos e aprendemos, e guardamos no coração tudo de bom que eles nos trazem...até que eles nos dão netos e...
E, então, nesse momento Nina percebeu que Dona Fá trazia os olhos marejados e pensou em tudo o que aquela velha senhora tinha vivido, em tantas lembranças que se escondiam nos vincos de sua face e nos nós de seus dedos...e, finalmente, notou que a vida poderia ser mais leve se tivesse mais coragem de vivê-la...e girando o enfeite dos noivos entre os dedos percebeu que não poderia fazer o mesmo com seu destino....
- Nina, começa agora a parar de pensar na vida! Vem aqui me ajudar a terminar o bolo que só falta o fermento pra ele crescer bem bonito!



Juliana R. Sanchez

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Ao Inominável - II

Estranho como tua voz já me é desconhecida. Apesar de possuir uma memória prodigiosa, optei por esquecer-te. Não foi difícil! Bloqueei mecanismos de acesso a fim de evitar que tuas palavras me penetrassem. Tua imagem fica a cada dia mais nebulosa. As tuas cores e teu sorriso volatilizam-se e transportam-se para longe. Contudo, teu nome ainda surge frequentemente na minha cabeça acompanhado por promessas distantes e expectativas intangíveis que escolhi deixar no passado. Ontem já é distante demais. Caso te encontre na rua, sorrirei para ti como a um estranho. Se quiseres falar comigo novamente, terás de se apresentar como num segundo-primeiro-encontro pois em mim já és desconhecido.


Juliana R. Sanchez
Imagem de Alyssa Monks, Hold, 2006, Oil in Linen.

Ao Inominável - I

Ah, essa covardia que me prende. Que amarra meus braços proibindo abraços. Que ata minhas mãos e impede a efetivação de carícias curtidas e conservadas há longa data. Que tranca minha boca e transfere a um baú trancado desejos de beijos intermináveis. Que trava meu corpo e proíbe a entrega. Essa covardia que faz engasgar na laringe frases loucas de juras eternas de amor. Essa covardia não atinge meus olhos que te procuram incessantemente. Não aflige minha alma que se regojiza com sua presença. Essa covardia não insensibiliza meu coração que pulsa involuntariamente por você, emanando fluxos de fluidos que tomam todo meu ser, espalhando por todas as células retalhos de um desejo armazenado, porém não esquecido. Hoje quero gritar: afasta de mim esse “cale-se” e traz uma dose de coragem.

Juliana R. Sanchez

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Ouço...


Los Hermanos - Pois É (Marcelo Camelo)
Pois é, não deu
Deixa assim como está sereno
Pois é de Deus
Tudo aquilo que não se pode ver
E ao amanhã a gente não diz
E ao coração que teima em bater
avisa que é de se entregar o viver
Pois é, até
Onde o destino não previu
Sem mais, atrás vou até onde eu conseguir
Deixa o amanhã e a gente sorri
Que o coração já quer descansar
Clareia minha vida, amor, no olhar

Deixa pra amanhã (Caleidoscópio)

Como disse Kundera "a mulher moderna divide-se em duas: uma metade observa, a outra metade vive."

Tenho observado. Procurado a medida das coisas. Buscado quantificar o impossível. Fazer uma leitura do improvável. Tranquei-me no sótão. Fechei portas e janelas. Tirei o telefone do gancho. "Não estou para ninguém", dizia a placa ao lado de fora. Do lado de dentro faço companhia a mim mesma. O silêncio vem para mostrar quem sou. O vazio vem entorpecer as idéias. Curvo-me sobre meu ser. Sou pedaços. Cacos de um vitral. Figura caleidoscópica que reflete a luz e produz a sombra. Escuridão que corrompe os sentimentos. Queria ter um pouco de Khalo, reproduzir em cores intensas o incômodo. Queria ter um pouco de Remedio, transformar em arte o que muitos tentam reproduzir com números. Queria ser um pouco de Pagu, provocar e instigar. Queria ser um pouco Florbela, traduzir em palavras a paixão que nos deixa mudos. Queria ser forte. Tento sê-lo. Sou porcelana fina e fria, que estremece ao toque e quebra ao cair. Sou pedaços que alguém reuniu para outrem destruir.
Juliana R. Sanchez

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Picadeiro do caos

Nunca gostei de palhaços. Não sei exatamente o porquê de tanto ódio direcionado a esses seres com suas caras pintadas, suas calças bufantes e seus sapatos exageradamente grandes.
As lembranças de infância que incluem essa figura circense são de muito medo. Acho que esse excesso de alegria, essa fantasia lúdica, sempre foi surreal demais para minha imaginação.
Constantemente me questionava: "Quanta tristeza se esconde atrás da tinta?". É impossível ser feliz o tempo inteiro. É improvável contentar-se em fazer o outro rir, voltar para o camarim, retirar toda a suposta alegria da cara, e jantar sopa rala com pão duro e, ainda assim, ser feliz... ninguém pode ser tão altruísta. Acho que, na verdade, sinto pena do palhaço. Suponho que ele deva sofrer em fazer tanta gente feliz, sem nunca receber algo em troca.


Juliana R. Sanchez