terça-feira, 30 de outubro de 2007

Ao Inominável - II

Estranho como tua voz já me é desconhecida. Apesar de possuir uma memória prodigiosa, optei por esquecer-te. Não foi difícil! Bloqueei mecanismos de acesso a fim de evitar que tuas palavras me penetrassem. Tua imagem fica a cada dia mais nebulosa. As tuas cores e teu sorriso volatilizam-se e transportam-se para longe. Contudo, teu nome ainda surge frequentemente na minha cabeça acompanhado por promessas distantes e expectativas intangíveis que escolhi deixar no passado. Ontem já é distante demais. Caso te encontre na rua, sorrirei para ti como a um estranho. Se quiseres falar comigo novamente, terás de se apresentar como num segundo-primeiro-encontro pois em mim já és desconhecido.


Juliana R. Sanchez
Imagem de Alyssa Monks, Hold, 2006, Oil in Linen.

Ao Inominável - I

Ah, essa covardia que me prende. Que amarra meus braços proibindo abraços. Que ata minhas mãos e impede a efetivação de carícias curtidas e conservadas há longa data. Que tranca minha boca e transfere a um baú trancado desejos de beijos intermináveis. Que trava meu corpo e proíbe a entrega. Essa covardia que faz engasgar na laringe frases loucas de juras eternas de amor. Essa covardia não atinge meus olhos que te procuram incessantemente. Não aflige minha alma que se regojiza com sua presença. Essa covardia não insensibiliza meu coração que pulsa involuntariamente por você, emanando fluxos de fluidos que tomam todo meu ser, espalhando por todas as células retalhos de um desejo armazenado, porém não esquecido. Hoje quero gritar: afasta de mim esse “cale-se” e traz uma dose de coragem.

Juliana R. Sanchez

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Ouço...


Los Hermanos - Pois É (Marcelo Camelo)
Pois é, não deu
Deixa assim como está sereno
Pois é de Deus
Tudo aquilo que não se pode ver
E ao amanhã a gente não diz
E ao coração que teima em bater
avisa que é de se entregar o viver
Pois é, até
Onde o destino não previu
Sem mais, atrás vou até onde eu conseguir
Deixa o amanhã e a gente sorri
Que o coração já quer descansar
Clareia minha vida, amor, no olhar

Deixa pra amanhã (Caleidoscópio)

Como disse Kundera "a mulher moderna divide-se em duas: uma metade observa, a outra metade vive."

Tenho observado. Procurado a medida das coisas. Buscado quantificar o impossível. Fazer uma leitura do improvável. Tranquei-me no sótão. Fechei portas e janelas. Tirei o telefone do gancho. "Não estou para ninguém", dizia a placa ao lado de fora. Do lado de dentro faço companhia a mim mesma. O silêncio vem para mostrar quem sou. O vazio vem entorpecer as idéias. Curvo-me sobre meu ser. Sou pedaços. Cacos de um vitral. Figura caleidoscópica que reflete a luz e produz a sombra. Escuridão que corrompe os sentimentos. Queria ter um pouco de Khalo, reproduzir em cores intensas o incômodo. Queria ter um pouco de Remedio, transformar em arte o que muitos tentam reproduzir com números. Queria ser um pouco de Pagu, provocar e instigar. Queria ser um pouco Florbela, traduzir em palavras a paixão que nos deixa mudos. Queria ser forte. Tento sê-lo. Sou porcelana fina e fria, que estremece ao toque e quebra ao cair. Sou pedaços que alguém reuniu para outrem destruir.
Juliana R. Sanchez